O Brasil tem realizado grandes avanços sociais na redução da pobreza, da mortalidade materna e infantil, mas permanecem muitos obstáculos e contradições em termos de direitos sexuais e reprodutivos – tema da Primeira Sessão da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento na América Latina e Caribe, que acontece em Montevidéu entre 12 e 15 de agosto.

As estatísticas impressionam.  A mortalidade materna caiu de 120 por 100 mil (1990) para 56. No mesmo intervalo de tempo, a mortalidade infantil para crianças até cinco anos foi reduzida de 70 para 20 – em mil nascimentos. Essas melhoras fazem parte de um quadro de desenvolvimento mais amplo, ilustrado, por exemplo, pela diminuição da pobreza. O percentual de pessoas vivendo com menos de US$1,25 por dia no Brasil passou de 17% para 6%.

A taxa de fertilidade no Brasil caiu de 6,15 crianças por mulher em 1960 para 1,8 hoje em dia. É um número semelhante ao que se observa entre os países ricos da Europa. A redução é ainda mais impressionante porque não foi acompanhada ou provocada por políticas públicas. Ela foi fruto das decisões individuais de milhões de pessoas, com mais acesso à informação e a métodos de planejamento familiar. Hoje, cerca de 80% das brasileiras têm acesso a métodos anticoncepcionais.

Contudo, persistem problemas sérios que se refletem nos indicadores brasileiros. Em cada mil mulheres adolescentes entre 15-19 anos, 77 são mães. Na Europa, esse patamar é inferior a 15. Ter filhos nessa idade significa que as jovens perderão oportunidades educacionais e profissionais. O índice brasileiro tem caído – era 88 por mil em 1994 – mas continua alto pela dificuldade de acesso a informações e à educação sexual.

Outro motivo de preocupação são as ameaças aos direitos sexuais e reprodutivos oriundas de grupos radicais que tentam criminalizar o aborto, proibindo-o mesmo nos casos em que a gravidez foi resultado de estupro ou nos quais ela ameaça a vida da mulher. O projeto do Estatuto do Nascituro é um exemplo, bem como a oposição à nova lei da profilaxia da gravidez, que garante atendimento imediato e emergencial no Serviço Único de Saúde às vítimas de violência sexual.

Também causa apreensão a ascensão de um político homofóbico à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Defesa das Minorias da Câmara dos Deputados e o uso dessa instituição para difundir uma agenda de retrocessos que ameaça conquistas que são frutos de muitas lutas de movimentos sociais e ativistas.

Historicamente, o Brasil tem sido um país progressista nas negociações internacionais sobre direitos sexuais e reprodutivos, mas há dúvidas se a corrente regressista – que tem se fortalecido internamente – irá influir nas posições diplomáticas brasileiras. Não se pode dissociar a agenda que se discute em Montevidéu da visão integrada dos direitos humanos, que engloba educação, saúde, o combate às diversas formas de discriminação. Colocá-la em prática é fundamental para que o Brasil dê prosseguimento aos esforços de desenvolvimento que começaram com a expressiva redução da pobreza.

[1] Os dados deste texto foram retirados do documento oficial da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, “Brazil: country implementation profile”.