Burkina Faso: Nenhuma anistia para soldados que assassinaram civis desarmados
- 14 pessoas mortas, entre elas duas crianças: seis baleados pelas costas
- Centenas de feridos por agressões e disparos, inclusive uma criança que nasceu com uma ferida de bala
- Uma comissão de inquérito deve investigar abusos recentes e históricos
A antiga guarda presidencial de Burkina Faso exibiu seu frio desprezo pela vida humana, assassinando 14 manifestantes e pedestres desarmados e ferindo centenas com armas automáticas após o golpe de Estado do mês passado, declarou hoje a Anistia Internacional.
Enquanto o General Gilbert Diendere, líder do golpe, e o General Djibril Bassole, antigo Ministro das Relações Exteriores, foram presos e indiciados por crimes como ameaça à segurança do Estado e homicídio, os membros do Regimento de segurança presidencial (RSP) estão sendo reintegrados ao exército nacional.
Uma investigação detalhada, promovida pela organização sobre as mortes ocorridas nos dias que sucederam o golpe de 16 de setembro, revelou que 14 manifestantes e pedestres foram assassinados por disparos de armas automáticas feitos por membros da RSP. Nenhum dos mortos, entre eles duas crianças, tinham armas ou representavam ameaça às forças de segurança.
“Soldados que abrem fogo com armas automáticas sobre uma multidão de manifestantes desarmados, inclusive crianças, utilizam sua força de maneira ultrajante, o que constitui crime de acordo com o direito internacional”, declarou Alioune Tine, diretor da Anistia Internacional para a África Ocidental.
“Os membros do RSP há muito tempo escapam com impunidade, apesar de serem a origem de graves violações aos direitos humanos. São necessárias investigações independentes para levar os suspeitos desses crimes à justiça, para que haja o devido processo, sem previsão de pena de morte.”
Assassinatos e agressões ilegais
Dos 14 mortos em Ouagadougou entre 16 e 20 de setembro, seis já tinham se envolvido em manifestações pacíficas contra o golpe de Estado. Várias testemunhas confirmaram que, muitas vezes, os manifestantes levantaram as mãos para cima. Apesar dessa demonstração clara de suas intenções pacíficas, os soldados abriram fogo sobre eles sem aviso.
Em 17 de setembro, por exemplo, membros do RSP chegaram a um protesto em frente ao tradicional palácio do rei Moogho Naaba e começaram a atirar para cima e em direção à multidão. Duas pessoas foram baleadas e morreram na praça, e um jornalista presente no local descreveu como os soldados perseguiram os manifestantes:
“Durante a fuga, as pessoas foram perseguidas com motocicletas pelo RSP e houve disparos. Um manifestante caiu, atingido atrás do pescoço. O sangue escorreu de seu pescoço e boca… morreu depois.”
Evidências médicas de vários incidente analisadas pela Anistia Internacional, apontam que seis mortos foram atingidos pelas costas. Testemunhas confirmaram que foram atingidos enquanto fugiam das forças de segurança. Outros foram mortos com tiros na cabeça, peito e tórax, indicando que os soldados que abriram fogo não tentaram minimizar a fatalidade dos danos.
Dados do governo apontam que 271 pessoas foram feridas durante a onda de violência ocorrida após o golpe. Documentos médicos a que a Anistia Internacional teve acesso sugerem que grande parte foi ferida por disparos de armas de fogo, enquanto vídeos e testemunhas confirmam que outras pessoas foram açoitadas e agredidas pelo RSP.
Uma mulher gravida for baleada no estômago em 18 de setembro, enquanto estava na porta de sua casa, no bairro de Noncin em Ouagadougou.
“A bala penetrou em seu útero e tivemos que realizar uma cesárea”, contou a parteira à Anistia Internacional. “A criança nasceu com um ferimento causado por arma de fogo na nádega esquerda. ”
Ataques a ativistas de direitos humanos, jornalistas e partidos políticos
A Anistia Internacional também documentou restrições à liberdade de expressão após o golpe, inclusive ataques do RSP a jornalistas, políticos e ativistas de direitos humanos. Em um dos casos, o estúdio de Smockey, músico e líder do movimento popular Balai Citoyen, foi gravemente danificado por um míssil antitanque. Pesquisadores da Anistia Internacional descobriram o projétil do míssil e buracos de balas na parede, sendo que computadores e outros materiais foram roubados.
Estações de rádio e televisão, assim como redações de jornais, também foram atacados, tendo seus equipamentos confiscados e destruídos e suas equipes agredidas e ameaçadas. Redes nacionais e privadas de rádio e televisão foram forçadas a suspender sua transmissão.
Em um incidente, membros do RSP queimaram as motocicletas da rádio Omega. Em outro, o fotógrafo Balai Citoyen levou chutes e foi agredido com um cinturão por mais de seis soldados até ficar inconsciente.
Membros do governo de transição tomados como reféns também sofreram maus-tratos, não recebendo comida por dois dias, sendo que a alguns foi recusado tratamento médico.
Pedido para investigações
Com base nas provas reunidas, a Anistia Internacional encaminhou um memorando às autoridades de transição pedindo a expansão da Comissão de Inquérito prevista para investigar esses assassinatos e outras violações a direitos humanos, inclusive os disparos contra, pelo menos, 10 manifestantes durante as demonstrações de outubro de 2014, assim como os assassinatos de Thomas Sankara e Norbert Zongo.
“As autoridades de transição de Burkina Faso devem assegurar que todas as violações a direitos humanos cometidas pelas forças de segurança, inclusive crimes previstos na lei internacional, sejam investigadas de forma independente e imparcial por uma Comissão de Inquérito expandida”, declarou Alioune Tine.
“Somente essa atitude pode fazer com que o país rompa definitivamente com seu passado e envie um sinal claro de que, no futuro, essas violações a direitos humanos não serão toleradas.”
Histórico
Durante uma missão de duas semanas entre setembro e outubro de 2015, a Anistia Internacional realizou entrevistas com vítimas e suas famílias, 40 testemunhas, ativistas de direitos humanos, organizações da sociedade civil e agentes de saúde, reunindo dados sobre as cenas dos crimes e examinando os registros hospitalares.
A Anistia Internacional também analisou documentos relacionados aos casos em questão, assim como fotografias e vídeos. A organização conseguiu investigar em detalhes 11 das 14 pessoas assassinadas.
Em 25 de setembro, a governo interino anunciou a dissolução do RSP e estabeleceu uma comissão para identificar os mentores do golpe.
O General Gilbert Diendere, líder do golpe, foi preso em Ouagadougou em 30 de setembro. O General Djibril Bassole, antigo Ministro da Relações Exteriores, também foi preso por seu envolvimento com o golpe.
Os dois foram indiciados por 11 crimes, inclusive ameaça à segurança nacional e homicídio. Serão julgados por uma corte militar. A Anistia Internacional se opõe à utilização de uma corte militar nesses casos, pois acredita que esses julgamentos devem ser realizados em cortes civis e que cortes militares devem julgar apenas militares em casos de violação à disciplina militar.
Em 2 de setembro, as autoridades de transição anunciaram seus planos para o estabelecimento de uma Comissão de Inquérito para investigar os disparos contra, pelo menos, 10 manifestantes pelas forças de segurança durante as demonstrações de outubro de 2014, que levaram à queda do presidente anterior, Blaise Compaore. Em 28 de setembro, as autoridade criaram outra Comissão para investigar os suspeitos apontados como mentores do golpe de Estado.