O governo espanhol deve retirar o anteprojeto de lei que pretende restringir o acesso de mulheres e meninas a serviços de aborto seguro e legal, disse a Anistia Internacional em uma carta enviada ao ministro da Justiça em 20 de fevereiro.

“Caso seja aprovado, este anteprojeto de lei retrocederia o país em várias décadas, a uma época precária para os direitos humanos das mulheres e meninas” disse Jezerca Tigani, diretora adjunta da Anistia Internacional para a Europa.

“Esta reforma poderia causar um aumento no número de mulheres e meninas que recorrem a procedimentos perigosos, inseguros, clandestinos e ilegais, pondo em risco a saúde e até a vida. Além disso, limita o direito de mulheres e menina de tomar decisões por si mesmas e restringe sua autonomia.”

A proposta também descumpre as obrigações internacionais de direitos humanos contraídas pela Espanha e as recomendações de peritos internacionais sobre a plena implementação da lei atual.

“O anteprojeto é discriminatório. Se aprovado, afetará desproporcionalmente mulheres jovens e em situação de pobreza, já que não têm os meios necessários para viajar ao exterior para ter acesso a abortos seguros e legais”, acrescentou Esteban Beltrán, diretor da Anistia Internacional Espanha.

Entre os obstáculos introduzidos pelo anteprojeto de lei, qualquer mulher que queira praticar um aborto seguro e legal deverá obter dois atestados médicos de centros diferentes certificando qualquer possível risco para a saúde ou a vida da mulher e do feto, receber apoio psicológico obrigatório e informação sobre questões médicas e esperar sete dias durante o chamado “período de reflexão”. Caso tenha entre 16 e 18 anos, será necessário o consentimento dos pais.

O anteprojeto também exige que as mulheres e meninas que foram estupradas tenham que fazer uma denúncia antes de poder ter acesso a um aborto legal e seguro. Isso é particularmente problemático para algumas mulheres imigrantes em situação administrativa irregular, que no caso de apresentar uma queixa de estupro poderiam, em certos casos, ficar expostas à abertura de um procedimento de expulsão.

“As mulheres e meninas que não desejam denunciar o crime não deveriam se ver obrigadas a fazê-lo e, muito menos, para poder ter acesso aos serviços que necessitam para gerenciar as consequências do estupro”, afirmou Esteban Beltrán.

“O novo anteprojeto de lei propõe uma corrida de obstáculos humilhante e muito difícil de superar, impondo múltiplas barreiras para o acesso ao aborto legal e seguro e diminuindo a autonomia das mulheres e meninas”, acrescentou Jezerca Tigani.

A organização também afirmou que o anteprojeto de lei teria um impacto negativo no trabalho dos profissionais de saúde, criando um clima de medo que poderia levar os médicos a rejeitar casos e não poder informar adequadamente as mulheres. Este anteprojeto de lei questiona o julgamento médico dos profissionais de saúde e limita sua capacidade de proporcionar informação, conselho e serviços médicos a suas pacientes.

“Este anteprojeto de lei é uma medida regressiva sob o direito internacional, que tem sérias implicações para a proteção dos direitos humanos de mulheres e meninas. A Anistia Internacional urge as autoridades a retirá-lo imediatamente”, insistiu Esteban Beltrán.

Informações adicionais

O Conselho de Ministros da Espanha de 20 de dezembro passado adotou o anteprojeto de Lei Orgânica para a proteção da vida do concebido e dos direitos da mulher grávida e está pendente o início de seu trâmite no parlamento.

Em 2012, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (Comitê DESC) pediu ao governo espanhol que garantisse a implementação da lei 2/2010, para assegurar que todas as mulheres tenham acesso a abortos seguros e legais.

Também solicitou que o Estado garanta o acesso equitativo ao direito ao aborto, assegurar que o exercício da objeção de consciência por parte do pessoal sanitário não constitua um obstáculo para as mulheres que queiram pôr fim a uma gravidez, e prestar especial atenção à situação das adolescentes e migrantes.

O Relator Especial das Nações Unidas sobre o direito à saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Conselho da Europa, por sua parte, alertaram que as leis restritivas do aborto não conseguem reduzir o número destes, ao contrário, contribuem para incrementar o número de procedimentos ilegais e inseguros, assim como a mortalidade materna.

O anteprojeto de lei propõe proibir materiais publicitários sobre centros de saúde que proporcionem o término voluntário da gravidez. Isto vai contra as recomendações do Comitê DESC sobre a obrigação de informar às mulheres sobre serviços de aborto legal e seguro. A OMS também recomendou a descriminalização do fornecimento e acesso à informação sobre abortos.

O Relator Especial das Nações Unidas sobre o direito à saúde, a OMS e o Conselho da Europa determinaram que os prazos de espera obrigatórios que não medicamente necessários; a aprovação de mais de um profissional de saúde e a obrigação de obter consentimento paterno constituem barreiras no acesso ao aborto legal e seguro, especialmente para mulheres com baixos recursos e jovens. A OMS também recomendou que o assessoramento da mulher, se solicitado, não seja diretivo (não tente influenciar), para facilitar a decisão informada.

A Anistia Internacional também pediu ao governo espanhol que garanta a participação ativa e eficaz das pessoas e organizações afetadas no desenvolvimento do anteprojeto de lei, algo que não ocorreu antes da adoção do mesmo no Conselho de Ministros do último dia 20 de dezembro.