O sumário do relatório da Comissão de Serviços Secretos do Senado norte-americano, detalhando os métodos de tortura usados no programa secreto dos Estados Unidos de detenções e interrogatórios, evoca de forma severa a continuada impunidade para as muitas violações de direitos humanos perpetradas em nome da “segurança nacional”, sustenta a Anistia Internacional.

Este esperado sumário do relatório da Comissão de Serviços Secretos do Senado (SSCI), divulgado terça-feira (09/12), apresenta detalhes sobre o recurso da Central Intelligence Agency (CIA) ao waterboarding – simulações de afogamento –, simulações de execução, ameaças sexuais e outras práticas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes de detidos que foram sujeitos a desaparecimento forçado.

Estas práticas verificaram-se durante os programas de detenção e aprisionamento secretos que se seguiram aos crimes contra a humanidade cometidos nos ataques de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos. A investigação do Senado norte-americano traz também à luz alguma informação sobre as consequências das técnicas de interrogatório usadas e das condições de detenção, incluindo “alucinações, paranoia, insônia e tentativas de automutilação”.

“O relatório fornece mais detalhes condenáveis de algumas das violações de direitos humanos que foram autorizadas pelas mais altas autoridades dos Estados Unidos depois do 11 de setembro. Apesar de existirem muitas provas já no domínio público há vários anos, ninguém foi julgado por ter autorizado nem por ter cometido os atos praticados ao abrigo destes programas da CIA”, frisa a diretora da Anistia Internacional para a região das Américas, Erika Guevara Rosas.

Em 2012, foram feitas algumas investigações bastante limitadas do Departamento de Justiça dos Estados Unidos às práticas de interrogatório da CIA, sem que daí resultasse a dedução de quaisquer acusações. Da mesma forma, a destruição de vídeos das sessões de interrogatório por parte de agentes da CIA – que continham possíveis provas de crimes ao abrigo das leis internacionais – também não levaram a nenhuma acusação.

O acesso à justiça para aqueles que sofreram estes abusos tem sido sistematicamente bloqueado pelas autoridades dos Estados Unidos, sendo invocados argumentos que incluem o “segredo de Estado”.

“A informação a que agora foi retirada a classificação de secreta e que faz parte do relatório da Comissão do Senado, apesar de limitada, é um lembrete para o mundo do completo fracasso dos Estados Unidos em dar fim à impunidade de que gozam aqueles que autorizaram e que cometeram atos de tortura e outros maus-tratos. Isto é um alerta aos Estados Unidos de que têm de divulgar toda a verdade sobre as violações de direitos humanos, levar os responsáveis à justiça e garantir que é feita justiça às vítimas. Isto não é um pormenor político, mas sim uma exigência à luz da lei internacional”, insta Erika Guevara Rosas.

Os métodos usados pela CIA incluem waterboarding, simulação de execuções, privação prolongada do sono e posições de desgaste físico. Alguns destes métodos constituem tortura ao abrigo da legislação internacional em si mesmos; outros configuram tortura quando combinados ou aplicados durante longos períodos de tempo, ou são considerados tratamento cruel, desumano e degradante. Todos estão expressamente proibidos, sem exceção e em todas as circunstâncias. Os desaparecimentos forçados, a que estes detidos foram sujeitos, também constituem crime na lei internacional.

Na sua totalidade, o relatório da Comissão de Serviços Secretos do Senado – em todas as suas 6.600 páginas – permanece classificado como secreto. De acordo com a chefe daquela comissão, Dianne Feinstein, que coordenou a elaboração do documento, o relatório contém “detalhes sobre cada um dos detidos sob custódia da CIA, as condições em que esteve detido e como foi interrogado”.

A Anistia Internacional insta a divulgação pública de todo o relatório, com o mínimo de alterações possíveis e nenhuma alteração que possa esconder provas de violações de direitos humanos.

Parceiros no crime internacionais

A CIA e outras autoridades dos EUA não agiam sozinhas. Elas possuem um certo número de parceiros em todo o mundo para ajudar a facilitar a rendição, tortura e detenção secreta de quem os EUA suspeitavam de envolvimento em terrorismo.

Em 24 de julho, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos descobriu que o governo da Polônia era conivente com a CIA em um esquema para estabelecer uma prisão secreta em Stare Kiejkuty, que funcionou entre 2002 e 2005. Suspeitos, e outros, foram detidos em local secreto e torturados, enquanto alguns deles foram levados para outros lugares onde estavam em risco de abuso similar.

Em 2012, o Tribunal Europeu havia se pronunciado contra a Macedônia, achando-a responsável por cumplicidade na tortura e desaparecimento forçado de que Khaled El-Masri foi submetido sob custódia dos EUA.

Outros países europeus que teriam trabalhado com a CIA incluem Itália, Lituânia, Romênia, Suécia e Reino Unido, entre outros. Em 2012 e 2013, o Parlamento Europeu apelou a todos os membros da UE implicados e Estados associados para investigar plenamente as suas funções nestas operações.

“Os EUA e todos os países que trabalharam com eles para transferir, deter e torturar suspeitos, têm a obrigação legal internacional de garantir a plena responsabilidade por crimes de direito internacional, incluindo tortura e desaparecimentos forçados. Esses países também devem facilitar o acesso genuíno à justiça para todos os sujeitos a eles, e devem fornecer toda a verdade sobre as violações de direitos humanos cometidas em e em torno destas operações “, disse Julia Hall, especialista da Anistia Internacional sobre a Luta contra o Terrorismo e Direitos Humanos.