Artigo originalmente publicado pelo site do jornal O Dia, em 16 de janeiro de 2015

A epidemia da indiferença se espalha, seja porque se tornou parte do cotidiano ou porque esta realidade não está próxima do convívio das pessoas

Rio – Os números divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre a vulnerabilidade da juventude nos levam a refletir a respeito do racismo no Brasil: ser jovem negro significa ter em média 2,5 mais chances de ser morto do que ser jovem branco. Em alguns estados do Nordeste, como Paraíba, Pernambuco e Alagoas, o índice varia entre 8 e 13 vezes mais.

O preconceito e o racismo que afetam principalmente as populações negras e das periferias têm uma longa história no Brasil. Contribuem para a distribuição seletiva da justiça e da violência. Os dados sobre homicídios não deixam dúvidas sobre isso: nos últimos dez anos, por exemplo, a violência letal entre jovens brancos caiu 32,3%, e entre negros subiu 32,4%. A morte de jovens negros é um dos pilares que sustentam o alto índice de homicídios no país. O outro é a indiferença com a qual a sociedade e o Estado tratam essas mortes, como se fossem parte da paisagem.

A sociedade está em negação. Enquanto alguns buscam justificativas nos estereótipos que criminalizam jovens negros para fechar os olhos às violações de seus direitos, outros estão inertes diante dos altos números dos homicídios no Brasil: 56 mil por ano, sendo 30 mil jovens e, entre estes, 77% negros, de acordo com o Mapa da Violência. Isso equivale à queda de um avião cheio de jovens a cada dois dias.

A epidemia da indiferença se espalha, seja porque se tornou parte do cotidiano ou porque esta realidade não está próxima do convívio das pessoas. A classe média alta, que mais teme a violência, não é a principal vítima.

Fazem-se necessárias mudanças que envolvam investimentos em oportunidades para esta juventude e uma reforma do sistema de segurança pública e Justiça. Parte significativa da letalidade decorre de ações da polícia, que está entre as que mais mata e morre no mundo. A segurança pública e os profissionais que nela atuam devem ser reconhecidos como prioridade na garantia dos direitos humanos. Ao mesmo tempo, a impunidade alimenta a violência: apenas cerca de 8% dos casos de homicídios são levados à Justiça.

Precisamos romper com esse pacto de silêncio. Fomos capazes de tirar o Brasil do mapa mundial da fome, rompendo com uma inércia secular. É hora de sairmos do mapa de homicídios. Não podemos ser cúmplices do extermínio de tantos jovens. A morte não pode ser o destino deles.

Atila Roque é diretor- executivo da Anistia Internacional Brasil