Por: Anabela Paiva

Todos os sábados, a rua Teixeira Ribeiro, a mais movimentada da comunidade Nova Holanda, na Maré, se enche de moradores da comunidade em busca dos mais diversos itens, de temperos a mesas de som para DJs, defilés de sardinha a enfeites para casa. Ontem, por volta das 16h, o burburinho da feira cessou quando as batidas de dois tambores anunciaram a entrada dos jovens bailarinos da Escola Livre de Dança da Maré. Um a um, eles se alinharam ao longo da rua, entre as barracas. Entre eles, traziam roupas com furos e manchas que lembravam marcas de tiros e sangue. As roupas representavam os sete jovens mortos a cada duas horas no Brasil, segundo dados da Anistia Internacional. “Jovem … negro… vivo!!”, gritaram, antes de vestir as roupas manchadas.

Criada pelos bailarinos, em parceria com a Lia Rodrigues Companhia de Danças, a performance foi um dos destaques do lançamento da campanha Jovem Negro Vivo na Maré. A campanha, realizada pela Anistia Internacional em parceria com a Redes da Maré e o Observatório de Favelas, alerta para a chocante realidade brasileira: dos 56 mil homicídios cometidos no Brasil por ano, mais da metade atingem os jovens de 15 a 29 anos e 77% das vítimas são negros. No Rio de Janeiro, segundo o Mapa da Violência de 2014, a taxa de jovens brancos mortos é de 20 por 100 mil; a de jovens negros é de 64,1.

Essa era a mensagem que cerca de de 30 jovens, entre negros e brancos, moradores da Maré ou de fora, buscaram transmitir aos compradores e trabalhadores da feira. Além de entregar o folheto da campanha, eles pediam a assinatura de um manifesto. “É preciso desnaturalizar as mortes de jovens negros e mostrar que essa questão é da cidade e do país e não só da Maré ou das favelas” , disse Átila Roque, diretor da Anistia Internacional no Brasil.

A maioria dos abordados apoiava a ideia – alguns por terem passado por experiência própria por situações de racismo e violência. Na Maré, segundo dados do IBGE, 61% da população se declara negro ou pardo.

O mineiro Jacques Ferreira Figueiredo, de 22 anos, era um deles. Numa pausa da venda de caldos de cana na sua barraca, ele contou já ter vivido muitas experiências de discriminação. “Quando a gente chega para comprar uma coisa. Se só tem pessoas mais claras que a gente, acham que a gente é excluído. Não querem atender. Pessoal branco é muito estranho. Chegam aqui na barraca e pedem o caldo de cana com ignorância”.

Assistindo à performance da sua barraca, em que vendia óculos escuros, o camelô Nelson Gomes, 25 anos, fez questão de elogiar a campanha. “É muito importante o que vocês estão fazendo. Se você é negro e mora na favela, já sabe: é esculachado”, constatou. Morador da Nova Holanda há cinco anos, ele já teve a casa invadida por policiais: “Bagunçaram, jogaram tudo no chão, quebraram coisa. A gente sua para comprar e acontece isso”.

O lançamento da campanha ocorre em um contexto tenso na Maré, quando as forças especiais da Polícia Militar que preparam a implantação tem sido acusadas de atitudes arbitrárias, violações de direitos e até agressões a moradores. “Estamos pedindo aos moradores que estejam muito atentos e denunciem os abusos das forças policiais”, disse Edson Diniz, diretor da Redes da Maré.

Esta mobilização não é recente. Em 2014, a Redes e o Observatório realizaram com a Anistia Internacional a campanha “Somos da Maré e temos direitos”, de prevenção de violações por parte das forças policiais. Raquel Willadino, diretora do Observatório de Favelas, lembrou que em 2005 uma exposiçãuo de fotografias realizada pela organização já denunciava a violência contra a juventude e perguntava, no seu título: “Até quando?”.

Após a performance, houve uma apresentação do dançarinos de passinho da Rua C- Companhia de Dança. Logo após, jovens da Maré, voluntários da Anistia, integrantes das duas organizações e especialistas em segurança pública se reuniram no Centro de Artes da Maré para uma “roda de conversa” com ativistas que desenvolvem ações de mobilização para o enfrentamento da violência.

Mediado por Bruno Duarte – integrante da comunicação da Anistia e rosto da campanha Jovem Negro Vivo – , o encontro teve a presença de Valnei Succo e Mayara Donaria, da Escola Popular de Comunicação Crítica; do rapper Dudu de Morro Agudo, líder do movimento Enraizados; Giordana Moreira, organizadora do festival Roque Pense; Gilmara Cunha, do grupo Conexão G e Binho Cultura, criador da Festa Literária da Zona Oeste (Flizo). Ao fim do encontro, houve apresentação musical do grupo Los Chivitos, com a participação teatral da Cia. Marginal.

*publicado orginalmente no Redes da Maré

Entre em Ação! Assine o manifesto Queremos ver os jovens vivos!