Há mais de uma década, Patrick Young fundou o “Theatre for a Change” (Teatro para Mudança), uma organização não-governamental que utiliza técnicas de teatro participativo para capacitar mulheres e homens para efetuar mudanças e exigir seus direitos sexuais e reprodutivos.
Aqui, ele conversa com Anistia Internacional sobre o início das oficias, o treinamento de policiais e o porque da educação em direitos humanos deter a chave para melhorar a vida dos mais marginalizados.
Qual é a proposta do “Teatro para Mudança”?
Trata-se de empoderamento. São abordagens participativas, particularmente sobre direitos sexuais e reprodutivos, com base no princípio de que as estruturas de poder podem ser alteradas e que os participantes são os que estão mais bem posicionados para ocasionar isso.
De onde surgiu a ideia do Teatro para Mudança?
Acho que a ideia surgiu quando eu era professor de teatro no leste de Londres e trabalhava com uma meninada bastante exigente em algumas situações difíceis. Eu precisava de abordagens que tornariam a vida um pouco mais fácil e permitissem que as crianças participassem do processo de aprendizagem.
Depois da escola, eu organizava um clube de teatro onde a gente bolava estórias com base nas experiências delas. O último projeto que fiz quando ainda era professor foi com um grupo de refugiados nigerianos, sendo que juntos investigamos a história de Ken Saro Wiwa, que estava no corredor da morte por se opor ao governo da Nigéria.
Criamos a peça com as crianças e encenamos no Theatre Royal, em Stratford East, e a viúva e família deste cidadão vieram assistir. Foi neste momento que percebi que queria fazer mais trabalhos deste tipo – abordagens participativas para mudança social.
Como o trabalho evoluiu de um clube de teatro até a criação de uma organização?
Eu fiz mestrado em teatro para o desenvolvimento e como parte dele foi preciso criar um programa comunitário. Um dia, enquanto estava tentando decidir sobre onde aplicar essas metodologias, eu atravessei a estação de Waterloo, em Londres, onde um monte de desabrigados costumava viver.
Percebi que havia muitas questões de desenvolvimento neste país com as quais eu queria contribuir antes de ir trabalhar em países “em desenvolvimento”. Comecei uma organização chamada Streets Alive Theatre Company (Companhia de Teatro Ruas Vivas) para jovens sem-teto falarem de sua situação para um público que normalmente não encontrariam.
O que você fez lá?
Foi muito importante que o trabalho de defesa de direitos tenha sido feito por ninguém mais do que eles mesmos. Acreditamos que os participantes sejam especialistas em suas vidas. Ninguém sabe de sua vida tão bem quanto você. A pessoa que deveria estar te defendendo é você mesmo. Basta ter as habilidades e oportunidades para fazê-lo, e é isso o que a gente provê.
Como você decidiu ir para Gana?
Eu levei um grupo de jovens moradores de rua do Reino Unido para Gana e criamos uma peça sobre os sem-teto que foi, em certa medida, multicultural e universal. Com isso, fiquei inspirado a me mudar para a África, para viver e trabalhar em Gana, abrir o Teatro para Mudança e usar essas técnicas para abordar direitos sexuais e reprodutivos.
Depois de quatro anos, estávamos robustos o bastante para levar o grupo dos melhores facilitadores de Gana e abrir uma organização em Malawi. Agora temos escritórios em Malawi, Gana e Reino Unido.
Por que você decidiu focar nos direitos sexuais e reprodutivos?
A Action Aid entrou em contato porque queria usar esta metodologia em um projeto que estavam desenvolvendo para a prevenção do HIV em Gana. A técnica é muito útil para direitos sexuais e reprodutivos, porque lida com questões de poder e a transferência de poder. Ela dá aos participantes a oportunidade de mudar a dinâmica de poder nas esferas pessoais e sociais.
Vocês organizam oficinas para profissionais do sexo?
Esta é uma parte natural do nosso trabalho porque a gente quis munir os setores mais marginalizados da sociedade com plataformas para se defender.
Eu me lembro de Zione, que esteve envolvida no Teatro para Mudança em Malawi desde o início. Originalmente, ela era participante. Estava lutando, como muitas mulheres, para sobreviver e ser saudável, sua saúde era muito precária. Ela ficou no projeto por um tempo e depois deixou para ir ganhar dinheiro na África do Sul, mas, quando voltou, disse que queria fazer parte do grupo novamente.
Rapidamente, ela se tornou uma excelente facilitadora e assistente social. Eu a vi entrar em bares, lugares difíceis, perigosos, e abordar meninas e mulheres que estavam elas próprias em situações muito difíceis, e trazê-las para o trabalho de uma forma muito impressionante. Agora Zione é nossa agente de proteção da criança – a jornada dela é incrível.
Vocês também trabalharam com policiais. Como foi essa experiência?
Quando perguntamos às trabalhadoras do sexo quem elas gostariam de influenciar, disseram que era a polícia. E esse trabalho funciona surpreendentemente bem, de forma colaborativa. Eu acho que a polícia está gostando do processo, pois altera um pouquinho a rotina normal de trabalho, e se reconhece que, a menos que haja um compartilhamento do poder, ambos os lados sofrem.
Consideramos que não só os oprimidos se beneficiam do estabelecimento de direitos humanos, os opressores também. A polícia, por exemplo, é o segundo grupo de maior prevalência de HIV em Malawi e há uma razão por trás disso. Eles usam o poder para explorar as mulheres, então estão, de uma forma muito direta, enfrentando as consequências do abuso, morrem em uma razão muito maior do que a média.
Por que a educação em direitos humanos é tão importante?
Porque sem a capacitação, que acontece no nível das bases, a verdadeira mudança de políticas ou da lei, não pode ser realidade. Sem educação em direitos humanos, a política continuará a ser teoria, e essa é a realidade que a maioria das mulheres e meninas conhece.
No Malawi, por exemplo, existem leis e políticas que protegem as pessoas, há um monte de documentos sobre gênero e direitos sexuais. Mas tudo permanece completamente na teoria, a menos que haja uma educação em direitos humanos que aconteça de uma forma verdadeiramente participativa.
O que você gostaria de ver acontecer no futuro?
Queremos ver o empoderamento de meninas e mulheres que são profundamente marginalizadas no momento, mas que recebendo as devidas oportunidades, certamente podem ocupar posições muito mais poderosas em suas famílias, em suas comunidades e em seus países como um todo.